A FÁBULA DE ARACNE TEMÁTICA Este conhecidíssimo quadro pertence ao período final do artista, com a data de 1657. Naqueles anos, o mestre pinta com menor freqüência, mas suas obras ganham complexidade e qualidade. A tela recebeu também o nome de As Fiandeiras. Isso se deve a que uma interpretação anterior considerava que o artista teria pintado uma cena da Real Fábrica de Tapetes. Estudos posteriores descartaram esta qualificação. Na atualidade, se entende que a tela constitui uma peculiar leitura do mito de Aracne. Este foi tomado por Velásquez de Metamorfose de Ovídio. A fábula narra a história de uma jovem tecedora, que desafiou a deusa Atena. Esta tinha que admitir que o tapete da mortal era superior, em qualidade, ao seu. Isso provocou a ira da filha de Zeus, que transformou a sua rival em aranha. O sevilhano representa ao fundo da composição um tapete com o tema do Rapto de Europa. Aracne teceria na competição este mesmo assunto, coisa que irritaria ainda mais sua competidora, provocando a desgraça daquela. ANÁLISE TÉCNICA E ESTILÍSTICA Esta obra apresenta uma extraordinária complexidade na sua composição. A ação transcorre num espaço interior. Num primeiro plano, aparecem umas mulheres fiando. Esta cena em penumbra poderia emoldurar-se dentro da tônica de uma pintura de gênero. No espaço central do fundo se abre uma segunda sala iluminada, onde umas damas estão em volta de um tapete. As investigações sobre o tema chegaram á conclusão de que Velásquez reinterpreta aqui uma tela de Ticiano. Naquela o pintor descrevia o Rapto de Europa. O sevilhano conhecia esta obra que pertencia às coleções reais, desde a época de Filipe II. Todo o trabalho está impregnado por uma grande dose de efeito técnico. Joga-se com o contraste de luz. A profundidade espacial é dada pela sucessão de planos e pelo progressivo esfumado das formas. Apesar de sua dificuldade, a disposição dos elementos é equilibrada. O assunto principal ocupa o espaço central. Em primeiro plano, uma moça e uma anciã ladeiam o núcleo substancial da tela. A disposição destas mulheres lembra a de uns efebos nus que Buonarroti pintou na Abóbada da Sistina. INTERPRETAÇÃO Ao lado de As Meninas, este quadro sobressai por sua extraordinária qualidade. A isso haverá que se juntar uma grande complexidade técnica e temática. Hoje não existe dúvida sobre seu conteúdo mitológico. Esta singular cena oferece uma segunda leitura de importância vital. Relaciona-se à personalidade de seu autor e à situação da arte da Pintura nos Reinos de Filipe IV. Para explicá-la é necessário voltar ao mito: Aracne é castigada por superar com sua arte os deuses. Velásquez passou boa parte de sua vida insistindo na nobreza da Pintura. Ele e outros colegas desejavam alcançar um status social e profissional que fosse similar ao panorama existente na Itália. Com Alberti e Leonardo se inicia uma carreira, cuja meta é a equiparação das artes plásticas à altura da Filosofia e da Poesia. Alega-se que a pintura é, em essência, um trabalho intelectual. Isso a afastaria do resto dos trabalhos manuais, que não eram considerados nobres. O autor homenageia também Ticiano, incluindo na tela uma recreação de seu Rapto de Europa.